O torneio “Quelfes Bicentenário”, a decorrer no dia 21 de Junho de 2008, no relvado sintético do Estádio Municipal de Olhão, é uma organização da AD Vale D´Aran-Quelfes, em estreita colaboração com a Junta de Freguesia de Quelfes.
Com o apoio institucional da Câmara Municipal de Olhão, está inserido nas comemorações do bicentenário do levantamento olhanense contra as tropas napoleónicas e da subsequente vitória sobre estas junto à ponte romana de Quelfes.
De facto muito mudou em duzentos anos. No início do século XIX a Europa, centro inquestionável do Mundo de então, repartia-se entre os grandes impérios, autocráticos, governados por uma elite unida por laços de família.
Porém, e ao invés de significarem nações mais solidárias e unidas, esta consanguinidade pouco mais significavam que compromissos políticos de circunstância numa realidade diplomática dominada pela teoria do balanço do poder, herdada do pensamento de Richelieu, e onde a justiça dos diferendos era, na maior parte das vezes, solucionada pela via militar.
Não obstante o secular domínio do “Ancien Régime” absolutista, o século XVIII foi também o século do iluminismo, dos grandes pensadores, de teorizadores como Rousseau e Montesquieu. O ser humano é por natureza insatisfeito, fértil, preconizador de novas soluções e, para a grande maioria dos europeus, o fardo das monarquias absolutas dificilmente se realizava como solução para as dificuldades do quotidiano.
Ainda no século XVII, em 1688, a “glorious revolution” dava início ao parlamentarismo em Inglaterra, o pontificado da “Bill of Rights”, garantia que jamais algum monarca inglês voltaria a deter o poder absoluto.
Do outro lado do Atlântico sopravam ventos de mudança. Em 1776 os patriotas norte-americanos, inspirados pelas ideias das luzes, gritam liberdade e criam uma constituição. Nesta jovem nação estabelecia-se um novo paradigma político, de inspiração clássica, a democracia.
A Europa continental não ficaria, ela própria, muito mais tempo incólume a esta onda de mudança. No dia 14 de Julho de 1789 a prisão da Bastilha, em Paris, é atacada pelos “sans-cullote”. O bastião da opulenta monarquia de Luís XVI caía às mãos de um povo tricolor que vibrava liberdade, igualdade e fraternidade. Era o início da Revolução Francesa.
A reacção ao vazio de poder, que se seguiu, traduziu-se porém num repressivo esforço militar, imposto por parte das restantes potências, receosas que esta hemorragia subtraísse as suas coroas.
É neste contexto que emerge Napoleão Bonaparte. Natural da ilha da Córsega, este jovem oficial rapidamente traduziu o seu engenho guerreiro em capital político, ascendendo a Primeiro Cônsul de França e mais tarde fazendo-se coroar Imperador dos Franceses.
Motivado pelos ideais da Revolução Francesa, Bonaparte empreendeu por toda a Europa uma guerra contra as restantes potências, que considerava obsoletas e opressoras dos seus povos. Todavia, a reacção provocada nas populações, como em tantas vezes acontece, foi a inversa. Ao invés de libertados, os nacionais dos países ocupados sentiram-se oprimidos por uma potência estrangeira, movendo contra esta uma feroz resistência.
O caso olhanense é paradigmático. A condição de um povo mareante, perdido para lá do Caldeirão, mas ferocíssimo no seu orgulho nacional. Só essa força férrea, moldada pelos ardores da vida no mar, permitiu a uma população debilmente armada e sem qualquer treino militar, vencer as forças de um adversário muito mais poderoso. Foi também essa garra que levou os tripulantes do caíque Bom Sucesso ao Brasil, conduzindo a boa nova pelos confins do Atlântico Sul até à baía de Guanabara onde a Corte portuguesa os recebeu por entre abraços e espanto. Um dia, passados mais de 100 anos, seria essa mesma determinação a levar os “netos” destes valorosos ao título de campeão num novo desporto que se tornara rei, o futebol. É este o legado de Olhão da Restauração, este é o motivo porque, passados 200 anos, recordamos com admiração.
O grande general francês acabaria por conhecer o seu epitáfio político nos campos belgas de Waterloo, caindo com ele o sonho de uma Europa unida, um continente rapidamente reordenado pelo punho de Metternich e sob a égide da Santa Aliança.
Esforço malogrado. No coração de todos os europeus ficara plantada a semente da liberdade. Na Ibéria, os resistentes espanhóis proclamam a constituição liberal de Cádiz e, em 1822, uma revolução dá ao reino de Portugal a sua primeira constituição; por ela se travaria uma guerra entre dois irmãos.
O desenrolar do século XIX seria de facto tempo de lutas e revoltas, um belicismo orgulhoso, constante e fratricida entre “liberais” e “absolutistas” traduzido, já no século XX, em duas guerras mundiais egoístas que, na sua altura, aniquilaram toda uma geração de jovens.
Neste início de século XXI, vivemos numa Europa livre e democrática, unida num projecto agremiador. Temos uma união político-económica onde não há fronteiras, seguimos projectos comuns e, inclusivamente, trocamos a mesma moeda. Porém nada nem ninguém nos impôs este caminho. Escolhemo-lo por vontade própria e, na nossa diversidade história, cultural e linguística, reflectimos que, afinal, somos todos europeus.
A Europa é um território de paz, onde cidadãos e mercadorias circulam livremente, algo nunca visto desde os contemporâneos da “Pax Romana”.
Hoje que comemoramos os 200 anos da Restauração deve ser altura de celebrar também a solidária união dos povos europeus, a prova de que só a paz pode gerar a união no seio da raça Humana.
Bem-vindos a Quelfes bicentenário!
1 comentário:
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